sábado, 21 de novembro de 2009

‘Denegrindo’ a universidade

Publicado em www.culturani.blogspot.com - sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Escrita pelos coordenadores que fazem parte do projeto Jovem Repórter / Cultura NI da SEMCTUR-NI
por Edson Borges Vicente e Fernanda Bastos da Silva



luta pela inclusão do negro no ensino superior teve sua gestação no início da década de 1990. Um grupo de educadores, liderados pelo Frei David Raimundo dos Santos, o atual Doutor em Educação Alexandre Nascimento e o Pedagogo Antonio Dourado. Descontentes com o fato de quase não se ver negros nas universidades públicas, na época, principalmente nos cursos historicamente mais elitizados, como medicina, engenharia, comunicação e direito, se reuniram e criaram, no Salão Quilombo da igreja matriz de São João de Meriti, o “Movimento Pré-vestibular para Negros e Carentes” – PVNC. Preparando estudantes carentes, sempre procurando assistir a um percentual de negros semelhante aos auto-declarados, nas estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – o grupo inicial conseguiu aprovar certo numero de vestibulandos, que se juntaram e criaram um novo núcleo do movimento, que chegou a ter cerca de 60 pessoas.

Após algumas dissidências, alguns núcleos se desligaram do movimento para fundar o Educação para Afrodescendentes – EDUCAFRO-, sob a liderança de Frei David. O mesmo veio a se tornar uma ONG ligada à Pastoral do Negro. Outros inúmeros grupos independentes surgiram na efervescência da luta pela democratização do ensino superior e se espalharam pelo Brasil.



Nesse contexto, em 1997 surge no Bairro Cabuçu um Núcleo do Movimento, denominado “PVNC Cabuçu”. O núcleo foi fundado sob a iniciativa dos ex-alunos do núcleo da Catedral de Santo Antônio no Centro, moradores do bairro: Luciana Barreto, jornalista – que ingressara na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) por intermédio do pré – e Flavio Médici, historiador. Em Nova Iguaçu ainda existem núcleos como o da Vila Operária e da Posse.

O “PVNC Cabuçu” funcionou, desde o ano de 97 até 2003, na escola da rede municipal de Nova Iguaçu Darcílio Ayres Raunheitti, quando foi
transferido para o Colégio Estadual Sargento Antônio Ernesto – CESAE. Nesse momento houve uma reformulação no grupo de coordenadores, quando alguns ex-alunos no núcleo assumiram, como Rosemary Faustino de Farias, 33 anos, e Marcio Fontes da Silva, 30 anos - à época ainda sem ter passado no vestibular - e o recém, aprovado no curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, campus Baixada Fluminense – UERJ – FEBF, Fábio Soares, 26 anos.

Dentre os alunos aprovados naquele ano, Edson Borges Vicente, 27 anos, ingressou na primeira turma de Geografia da FEBF e passou a compor a coordenação ao lado do bacharel em Direito e Mestre em Ciências Sociais, Eduardo Belo - até então professor de Geografia e da estudante de química da Rural Giselen Dutra, entre outros.

Para Márcio, que já tinha a experiência de dois mandatos como diretor do Sindicato dos comerciários de Nova Iguaçu e Região, o que valeu - e vale - na luta é a transformação que o bairro passou, a partir do surgimento do movimento. Marcio lutou por cinco anos e foi aprovado em dois vestibulares este ano: para o curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Rural – e para o curso de Letras, Português-Latim da UERJ, o ultimo, está atualmente cursando.

“O diferencial do nosso movimento é que criamos o espaço ‘Cultura e Cidadania’, como integrante das disciplinas. E buscamos sempre criar uma consciência e identidade de pertencimento ao bairro, de respeito às diferenças culturais e étnicas. A idéia é fazer com que eles sejam aprovados, mas que não saiam de Cabuçu, que retornem com o que adquirem na universidade para a comunidade: Seja passando a lecionar ou ajudar na coordenação, colaborando com os simpósios e seminários que organizamos ou realizando qualquer outro trabalho cultural e social na comunidade. Conseguindo isso, estamos desenvolvendo cidadania, a partir de nós mesmos”, explica Marcio.

Para Rosemary - ou Mary - uma das coisas positivas do trabalho voluntário do pré-vestibular comunitário é o desenvolvimento econômico que os alunos carentes e todo o bairro alcançam através da educação. Além de ser uma das formas de romper o preconceito com o negro e os afrodescendentes, que geralmente os segrega dos cargos mais qualificados e bem remunerados. “Estamos formando negros com ensino superior, moradores de Cabuçu e pobres. Digo ‘pobres’, não de capacidade ou dignidade, mas de oportunidade. Basta dar uma oportunidade para você ver os meninos crescendo. E isso faz com que o bairro se desenvolva e aumente o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – do bairro, de moradores com bons salários, com nível superior, mas que continuam negros e continuam moradores de Cabuçu. Ou seja, que não esquecem as origens”, ressalta Mary que levou árduos anos na luta, até ingressar na escola de letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

Já Fabio Soares, foi mais além. Ingressou no mestrado na Rural e é atual professor do Centro Federal de Ensino Tecnológico de Química de Nilópilis – CEFETQ, instituição da qual, anteriormente, havia passado em primeiro lugar no concurso para pedagogo. A partir da reformulação na liderança, o “PVNC Cabuçu” ainda passou por mais cinco transferências, sendo duas para a escola de origem, Darcílio Ayres: para o CIEP 168 Ilda Silveira Rodrigues, uma nova estadia no CESAE, neste ano de 2009, e ,atualmente, compartilha com o “Programa Escola Aberta” o espaço da Escola Municipal Abílio Ribeiro.

Sob a iniciativa do professor e coordenador Edson, o núcleo firmou uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação – SEMED, através da qual bolsistas estudantes da UERJ, que ingressaram através das cotas e faziam parte do projeto atualmente chamado de Cidade Universitária, passaram a lecionar no pré, gerando carga horária de serviço comunitário.

Alguns alunos, oriundos do grupo, participam também do programa “Bairro-Escola” e do “Escola Aberta”. O trabalho do movimento social já ajudou dezenas de jovens e adultos moradores de Cabuçu, muitos dos quais negros e descendentes, sendo todos de baixa renda.

De 2003, Juliana Veríssimo de Moraes conquistou cadeira em Ciências Sociais na UERJ e as irmãs Idalecia Santos do Nascimento e Daniela Santos do Nascimento, na renomada Escola de Belas Artes UFRJ. De 2005, Danielle Aparecida Reis Daniel, a graduanda em Psicologia foi a primeira estudante negra do bairro a entrar para o curso na Universidade do Estado. E Ivânia Reis, atual mediadora cultural, que garantiu sua vaga na pedagogia da Rural Campus Nova Iguaçu, em uma de suas primeiras turmas.

À lista se acrescentam Mariana Magalhães dos Santos, aspirante a professora de português, também pela UERJ e, uma das últimas aprovadas, Fernanda Bastos da Silva. A moça, de 20 anos, ingressou no início de 2009 no curso de Gestão Ambiental, do Instituto Superior de Tecnologia do Rio de Janeiro, de Paracambi, ligado à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia – a SECT – e à Faetec. Ela também fez parte da equipe dos projetos “Minha Rua Tem História”, “Jovem Repórter” e “Cultura NI”, todos da secretaria Municipal de Cultura e Turismo - SEMCTUR.




Constou como um reforço “de raça” a entrada de Luiz Carlos da Silva Vitória, negro, com 38 anos, estudante de Direito e líder sindical pela CUT, que passou a colaborar com o pré em 2005 e já o ajudou a conseguir inúmeras vitórias, no que diz respeito a parcerias e colaborações de outros sindicatos, como o Sindispetro, o Bancários e o Sepe, além de instituições como o Sesc; Gilson Bispo dos Santos – o Puff (foto à esquerda) divide seu tempo entre seus filhos, sua esposa e a faculdade de Letras, Português-Inglês, com o PVNC; e Jair Nascimento da Silva Filho, 18 anos (foto à direita) quer quebrar um tabu: ser o primeiro estudante negro de Cabuçu a ingressar no curso de direito da UFRJ.

A quantidade de Cabuçuenses que ingressou na universidade, com a ajuda do pré-vestibular para Negros e Carentes de Cabuçu, é significativa e exaustiva para ser descrita em uma única matéria. De todo modo, em diversos cursos e praticamente todas as universidades públicas da Região Metropolitana do Rio existem negros, pardos ou brancos, que saem de Cabuçu, todos os dias, para estudar. Ou aqueles que já se formaram, inclusive nos cursos elitizados de Medicina Veterinária e Engenharia Agronomia da URFJ, da Escola de Regência e Maestria e de Engenharia da UFRJ, além da Psicologia na UERJ.

Denegrir nesse sentido, parafraseando um grupo de estudantes negros da UERJ que são assim conhecidos, antes de manchar a imagem das instituições públicas de ensino superior, é ressaltar que os negros e estudantes pobres, estão dentro da universidade, colorindo as salas, antes compostas predominantemente por alunos de classe social abastada. Nada mais justo do que, na semana da consciência negra, desmistificar o sentido de um termo historicamente apontado como problema social e que, com ajuda de um grupo comunitário da Cidade de Nova Iguaçu, começou a se esboçar como um novo paradigma: o da democratização.

Para acompanhar o trabalho do “PVCN Cabuçu”, acesse:
- www.pvnccabucu.blogspot.com
- www.geoeducador.xpg.com.br/pvnccabucu
- No Orkut, procure pela comunidade “ PVNC Cabuçu”.

MARCADORES: EDSON BORGES, FERNANDA BASTOS

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